Depois da tempestade

A pandemia teve enormes impactos na educação. O maior, porventura, foi o agravamento das dificuldades, já amplamente reconhecidas e debatidas.

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A pandemia teve enormes impactos na educação. O maior, porventura, foi o agravamento das dificuldades, já amplamente reconhecidas e debatidas. Após esta constatação, importa agir e pensar em estratégias que, pelo menos, mitiguem o fosso entre os alunos, de forma a que a escola possa oferecer iguais oportunidades para todos. Neste contexto, a tutela fez já um diagnóstico e criou um grupo de trabalho que, naturalmente, procurará encontrar as melhores respostas perante esta circunstância.

Centrarei esta reflexão naquilo que, apesar de tudo, a pandemia trouxe de bom à escola e que deve ser valorizado no tão desejado regresso ao ensino presencial. Nestes dois anos letivos, fomos obrigados a pensar o nosso papel e na nossa missão de forma diferente, o que implicou mudanças, transformações e descobertas. Os professores mobilizaram-se, aprenderam e colaboraram mais do que em qualquer outra circunstância.

As escolas dinamizaram sessões de autoformação, os municípios apoiaram-nas e houve um extraordinário movimento de partilha e entreajuda com os professores a criarem movimentos informais nas redes sociais. Este foi um momento único, talvez irrepetível, de empatia e de apoio.

A distância fez com que os docentes planeassem o seu trabalho e as suas atividades com os alunos de forma diferente. Existiram planos de trabalho semanais e houve uma maior preocupação com a articulação curricular onde, por exemplo, os diretores de turma procuraram compreender e negociar com os colegas as atividades e propostas de trabalho a fazer aos alunos, com reuniões de conselho de turma semanais, centradas no planeamento do trabalho a realizar na semana seguinte.

Na avaliação descobrimos outros instrumentos e estratégias. Percebemos que é possível avaliar de múltiplas formas e que, muitas delas, não implicam fazer um teste. O feedback – a avaliação formativa que ajuda o professor e o aluno a compreenderem as suas dificuldades e conquistas – ganhou importância.

Promovemos, por necessidade é verdade, o trabalho autónomo dos alunos e percebemos que, quando incentivados e devidamente orientados, conseguem treinar a sua autonomia, cooperar e aprender. Claro que necessitamos de mais treino, mas estou certo de que muitos professores se surpreenderam com a capacidade, agilidade ou proatividade dos alunos a resolver alguma tarefa ou desafio.

Não quero, porém, com estes aspetos positivos, desvalorizar os impactos que a pandemia provocou, ao revelar-nos que há alunos que aprenderam muito menos do que se estivessem na escola presencial.

Concluo, arriscando dizer que, durante este espaço temporal, os alunos perderam muitas oportunidades de desenvolvimento, de brincadeira, de socialização e de aprendizagem, mas, simultaneamente, os professores ganharam outras ferramentas; aproximaram-se das famílias; foram mais empáticos; perceberam que podem mudar a sua forma de trabalhar, que é possível diversificar tarefas e atividades; que podem incentivar e promover o trabalho autónomo dos seus alunos e, em muitos casos, tomaram consciência de que a avaliação é muito mais do que medir e, quando usada de forma pedagógica, é um instrumento para aprender mais e melhor.

Saibamos, nós, incorporar e operacionalizar tudo o que testámos e que funcionou! Se o fizermos, estaremos mais preparados para ultrapassar as assimetrias que a pandemia criou nas aprendizagens dos nossos alunos.

Liderar as escolas em tempo de pandemia

Liderar é, por si só, uma tarefa muito exigente que requer a “dose certa” de carisma, confiança, vontade e capacidade de motivar, inspirar, delegar e saber ouvir os restantes elementos da equipa, de forma a levar a organização sempre pelo melhor caminho.

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Liderar as escolas em tempos de pandemia

Liderar é, por si só, uma tarefa muito exigente que requer a “dose certa” de carisma, confiança, vontade e capacidade de motivar, inspirar, delegar e saber ouvir os restantes elementos da equipa, de forma a levar a organização sempre pelo melhor caminho. No entanto, liderar uma escola acarreta um maior número de desafios e, fazê-lo em tempos de pandemia, obrigou a uma maior capacidade de adaptação e reinvenção.

Não podemos, por isso, deixar de reconhecer o papel importante que as lideranças escolares desempenham, diariamente, e que face a este contexto particularmente difícil, tiveram que se superar ainda mais para desempenhar tarefas para as quais ninguém estava preparado.

As escolas são organizações muito complexas e que implicam a gestão de diferentes estabelecimentos escolares e a coordenação de muitas e diferentes pessoas. Têm que dar resposta a um perfil de alunos cada vez mais desafiante e a famílias muito exigentes.

Dos/as diretores/as escolares espera-se que sejam capazes de mobilizar as equipas e de fazer com que cada um dos seus profissionais se sinta envolvido e incluído no Projeto Educativo da escola e na missão conjunta de promover a mudança e o sucesso educativo dos alunos. Para além disso, trabalhar em educação requer uma capacidade de resposta rápida e consistente, adequada aos tempos, momentos e contextos em que se vive.

Por todas estas razões, e, contrariamente ao que seria expectável, os/as líderes escolares não podem preocupar-se, apenas, com a inovação das práticas pedagógicas e com as aprendizagens dos alunos.  Os/as diretores/as têm, também, que gerir recursos humanos; têm que gerir currículos com autonomia em articulação com a tutela; têm que conhecer, aprofundadamente, a legislação; mediar conflitos, interesses e poderes; envolver a comunidade educativa; e encontrar respostas sociais adequadas aos alunos, às famílias e ao território em que estão inseridas.

Com esta multiplicidade de tarefas e funções, um/uma líder escolar tem que ser, necessariamente, uma pessoa que reúne um conjunto muito específico de conhecimentos e competências: visão e pensamento, motivação e empenho, trabalhar em rede e em equipa, conhecer o sistema de ensino, capacidade de comunicação e abertura para resolver problemas (Comissão Europeia, 2012).

Apesar do perfil ser complexo e a função tão exigente, estes/estas líderes existem e, diariamente, procuraram gerir as escolas, liderando e inspirando, mas expondo sempre o seu lado humano, a vocação e priorizando os seus alunos. São os/as diretores/as das diferentes escolas do nosso país que têm procurado encontrar um equilíbrio e uma “normalidade” que permita aos professores realizar o seu trabalho, o melhor possível, apoiar as famílias e minimizar o impacto e as desigualdades criadas por esta pandemia.

Há pouco mais de um ano, as escolas encerraram pela primeira vez, sem “data de regresso”. Em apenas duas semanas, as escolas tiveram que identificar os recursos e as condições tecnológicas existentes para alunos e professores e, com base nisso, desenhar um plano para um ensino remoto de emergência que definisse as regras para o funcionamento das aulas a distância. Em muitas escolas, não só não existiam recursos, como os professores e os alunos não tinham o hábito de trabalhar com as tecnologias, o que exigiu uma capacitação rápida. Para além disso, foi necessário encontrar formas de não abandonar nenhum aluno e de manter um sentimento de proximidade com toda a comunidade.

Superadas, com sucesso, todas estas dificuldades, foi solicitado às direções que planeassem e organizassem as escolas para receberem a sua comunidade escolar, em segurança, no início do ano letivo de 2020/2021. Para isso, prepararam três planos (ensino presencial, ensino misto e ensino a distância) e asseguraram condições para minimizar as desigualdades sociais e de aprendizagem que advinham do ano letivo anterior.

Para que tudo se pudesse funcionar com normalidade, às escolas exigiu-se que estivessem em contacto diário e direto com as autoridades de saúde e com as famílias; que assumissem novas funções; que assegurassem o cumprimento de regras muito rigorosas que permitissem “controlar” a propagação da doença dentro da sua comunidade; e que garantissem que os alunos continuariam a aprender, presencialmente ou a distância.

Não obstante todo este esforço, em janeiro deste ano, as escolas foram novamente obrigadas a “fechar as portas”. O processo foi muito menos moroso porque todas as equipas pedagógicas estavam já preparadas para o fazer e existiam mais recursos tecnológicos (ainda que não os suficientes).

Estaremos a chegar a todos os alunos? Que marcas é que isto deixará nas crianças e nos jovens? Que impacto está a ter nos profissionais das escolas?

O que já sabemos é que existirão impactos, pois seria impossível não existirem depois de uma pandemia desta magnitude. Também sabemos que as nossas escolas tiveram sempre ON e mostraram uma grande capacidade de resiliência, criatividade e de resolução de problemas.

Sairemos desta pandemia, com a certeza, de que as escolas estão vivas e preparadas para os desafios das nossas sociedades contemporâneas.

A Arte é uma necessidade humana

Simone de Beauvoir afirmava que era na Arte que o Homem se ultrapassava definitivamente. Mas o que é a Arte e porque precisamos dela? Porque deve a Arte fazer parte da vida das escolas?

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A Arte é uma necessidade humana

Simone de Beauvoir afirmava que era na Arte que o Homem se ultrapassava definitivamente. Mas o que é a Arte e porque precisamos dela? Porque deve a Arte fazer parte da vida das escolas?

Primeiro, ela desempenha um papel fundamental na formação dos indivíduos e tem assumido diferentes papéis e conceções na vida das sociedades, acompanhando a história da Humanidade. Como manifestação social, ela ajuda a promover mudanças e o ser humano sempre a soube utilizar, ora para chamar a atenção e agradar, ora para chocar, criticar ou modificar padrões e comportamentos.

Através de linguagens distintas, mas universais, a Arte tem em si o poder de chegar a todos, independentemente dos padrões culturais ou dos idiomas falados. Através das suas múltiplas linguagens, passa uma mensagem a quem frui. Retrata valores culturais, crenças, hábitos e dinâmicas sociais; partilha sentimentos, inquietações, preocupações e opiniões que o espetador interpreta à luz da sua história pessoal.

Apresenta, portanto, três funções fundamentais: recriação, socialização e desenvolvimento pessoal. Se, por um lado, não tem que obedecer a quaisquer deveres, tendo como função quebrar normas e clichês, procurando novos significados, por outro orienta-nos socialmente ao fornecer informação sobre o mundo. Saber apreciá-la (e sobretudo valorizá-la) implica um elevado nível de competência estética e de motivação.

Em segundo lugar, para lá do prazer que a Arte nos pode causar, ela tem o poder de desenvolver inúmeras competências sociais, cognitivas e emocionais que contribuem para a aprendizagem, o que é especialmente relevante na infância e juventude. Aprender pela Arte ajuda as crianças a construírem o seu pensamento lógico; a desenvolverem a imaginação, a criatividade e o raciocínio; a limarem a sensibilidade; e a desenvolverem competências motoras.  A vivência artística influencia o modo como aprendem, comunicam e interpretam significados quotidianos, seja na escola ou fora dela. É uma forma de explorar e transmitir novos valores, de entender as diferenças culturais e de constituir-se como expressão de cada cultura e património. Quando uma criança aprende pela Arte, ela não só desenvolve competências plásticas, musicais, teatrais ou cinematográficas, como também aprende História, Geografia, Matemática, Literatura…

Esta relação acontece porque a Arte nasce e desenvolve-se num contexto específico, num tempo e num espaço próprio que só a interdisciplinaridade pode explicar. Do mesmo modo que a dança está intimamente ligada à música que a acompanha, também a motricidade e a coordenação motora se relacionam com o desenvolvimento da destreza física das crianças. Portanto, podemos e devemos incluir a Arte no estudo de qualquer disciplina porque a educação só poderá ser de qualidade se contemplar a educação artística.  

Em terceiro lugar, se é verdade que os meios de comunicação contribuem para um acesso mais universal à cultura, é também verdade que esse acesso se rege em função das leis de mercado e de consumo e os efeitos do marketing provocam uma maior habituação às manifestações de cariz mais ligeiro.

Sendo premente contrariar esta ação, a escola desempenha um papel importantíssimo para a promoção do equilíbrio e da valorização da cultura mais erudita. Como educadores, não podemos partir do pressuposto de que todas as crianças têm o mesmo acesso à cultura. Por isso, é função da escola restituir os ambientes culturais e artísticos que ficam para segundo plano e abafados pelo desenvolvimento de uma cultura de massas, assim como colmatar possíveis desigualdades sociais no acesso à cultura. É fundamental integrar as crianças em ambientes onde possam contactar regularmente com a Arte, com os seus processos e com os seus criadores, valorizando a sua educação estética e artística.  

Não obstante o papel insubstituível da Arte em contexto educativo, encontramo-la, por vezes, num segundo plano, como algo ornamental. Seja por desconhecimento por parte dos docentes, seja por falta de formação ou pouco à vontade para a explorar, certo é que, à medida que se avança nos anos de escolaridade, menos contacto as crianças vão tendo com manifestações artísticas. 

Que cidadãos estão as escolas a formar quando os privam do acesso à Arte e à Cultura? Deixo um apelo para que as escolas reflitam sobre esta questão e se apropriem do instrumento fundamental que é o Plano Nacional das Artes, um manifesto que abre caminho para uma relação mais íntima e profícua entre a Arte e a Educação.

Em sociedades cada vez mais tecnológicas, interculturais e até supérfluas, não fora a existência da Arte e seríamos seres incompletos e desajustados, pouco críticos e nada criativos. Crescer, aprender, amadurecer, conviver e aceitar que a Arte não é uma mera relíquia decorativa, é fundamental para que ampliemos os horizontes das crianças e dos jovens para que se possam ultrapassar definitivamente.

Todo o ser humano é criador e fruidor, mas tem que estar desperto para que possa perceber, apreciar e interpretar, criticamente, a Arte. E isso só se consegue com educação.